leonardo soares |
A verdadeira (breve) estória
do cemitério mal cheiroso
aflorando
ossos na Grande São Paulo
Morreu jovem,
quase sem dor, escorreu do olho, chovia tristeza. A mãe do mais velho saiu pela
rua, andando depressa, infeliz aperto, comprou camisa, calça, sapato, vestiu o
filho bem vestido, último traje, fato derradeiro. As economias do mês:
geladeira, a prazo, água gelada, luz para todos, flores enfeitando o salão.
Sombria despesa. Boi! Olho brilhoso pasta no pasto, indiferente, galinha cisca
o chão do terreiro, espora de ouro, briga de rinha, oração. Calça azul, jeans
Arizona novo reluz azul do céu de Agosto.
Vigília noturna,
as velas ardendo, fogo preguiçoso, saudade desperta, fundo d’alma, singelo
funeral, chinelo de dedo, sem flores de coroa, sem última canção, sem brasa
cremação, gastos distantes.
Triste desfecho,
ingrata notícia, retrato nuvioso, paisagem decorada, escuro medonho. A lâmina
da Patrol serrou ao meio a sepultura de Jeová, Jonas e o irmão do meio, os
restos mortais ao rés do chão, rostos sem carne, caveira sem expressão,
sorrindo manhã de sol, a roupa envelhecida de tempo pendia da terra vermelha
úmida, calça jeans Arizona enfeitando a cova profunda rabiscada pelo trator da
prefeitura.
Esqueleto
amputado, perna de pano azul, carniça o céu de Francisco, São Paulo, a morte
acordada, sono profundo, derradeiro repouso, despertador de defunto, Prefeito
Kassab, fúnebre varal, cova rasa, osso arado, assombração na encruzilhada do
Capão, alma penada despida flutuando insone na imaginação do leitor do
amaldiçoado periódico da Barão, dos barões, de Limeira, dos brancos burgueses
da gélida capital Paulista. [leonardo soares]
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